Cada minuto da minha vida era predeterminado, e estou farto disso. Parece que sou apenas mais uma tarefa na agenda de Deus: a Renascença Italiana marcada para logo após a Idade Média.
Para tudo há um tempo.
Para cada moda, mania, fase. Gira, gira, gira.
Eclesiastes, capítulo 3, versículo de tal a tal.
A Era da Informação é marcada para imediatamente após a Revolução Industrial. Depois a Era Pós-Moderna, depois os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Fome. Visto. Peste. Visto. Guerra. Visto. Morte. Visto. E entre os grandes eventos, os terremotos e as tempestades. Deus me enfiou como figurante. Depois, talvez em trinta anos, ou quem sabe no ano que vem, a agenda de Deus determinará que eu morra.
O trecho acima é do livro Sobrevivente, do mesmo autor do Clube da Luta – Chuck Palahniuk – e um dos livros mais fodões que eu já li. E esse trecho ilustra bem essa época do ano.
Como muitos dizem, é agora que o ano realmente começa, acabou o carnaval então a gente pode começar a viver de verdade. Certo?
Errado.
O carnaval acabou, mas os jogos Olímpicos de Inverno continuam, e mesmo que tudo esteja acontecendo a sei lá quantos quilômetros de distancia daqui a gente pára pra ver o Russo perder a medalha de ouro na patinação artística e os negos descendo a “pista da morte” em cima de uns trenós (sem renas) e vestindo umas roupas de lycra. E depois que os jogos acabarem vai ter a Páscoa, o Dia das Mães, Festa Junina, Natal (de novo), Ano Novo (de novo), a Copa no Brasil, o Dia Nacional da meia perdida do pé esquerdo. E por aí vai.
E por que a gente faz isso? Por que a gente pára pra acompanhar grandes eventos, mesmo que pela televisão, e inventa de comemorar datas que nem sabe direito de onde vieram e por que foram estabelecidas? Porque isso faz você se sentir parte de algo. Se você não comemora o Dia da Árvore você não é humano, você é uma falha na Matrix.
Não estou dizendo que isso é errado (os Mestres do Universo bem sabem que eu não contesto nada), mas às vezes isso torra a paciência. Por que você tem esperar o natal chegar pra dar presentes pra quem você ama? Por que eu não posso comer panetone em março? Por que esperar o ano novo para renovar suas decisões? Se carnaval é “tão bom assim” por que os brasileiros limitam a histeria aos dias de festa? Se é tão legal assim, por que não generalizar e estender a folia para os 365 dias do ano?
Tudo bem que os cientistas afirmam que datas comemorativas nos ajudam a perceber o tempo, quanto mais você comemora essas datas (e quanto mais fotografias tira, cientificamente falando) menos você tem aquela sensação de que o tempo voou. Isso é um fato e eu não vou contestar isso. Mas ao mesmo tempo, o único dia que existe de verdade é hoje (clichê até o joelho, mas verdade), e não é que a vida é feita de momentos, a vida é o momento (sim, é mais um pouco isso aqui vira apologia ao hedonismo). Eu não quero esperar até o dia 31 de dezembro, enquanto a maldita São Silvestre é televisionada, para pensar no que eu poderia ter feito.
Mas por que é que eu estou perdendo meu tempo e gastando minha limitada massa cinzenta filosofando sobre isso? Hoje é Sábado!
E a propósito, um feliz desaniversário para todo mundo.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Estátuas e Sombras
Ele estava sentado de frente a sua janela.
Era um dia nublado, como sempre é. Olhando o movimento das ruas, as pessoas vêm e vão e seus pensamentos se perdem ao longe de desconhecidos a sua frente.
Sem emoções, sentimentos, nada. Talvez as pessoas que o conheçam apenas tenham se afastado, ou ele mesmo se afastou preferindo a solidão de seu lar.
Olha fixamente para a rua, como se soubesse que lá, em algum lugar vai encontrar algo que talvez nem mesmo ele saiba o que é.
Passam horas, dias e noites, as pessoas nem estranham mais a janela sempre aberta, seu olhar perdido. Há quem diga que isso é uma confusa desilusão amorosa, ainda há quem diga que simplesmente não tem o que fazer – é um vagabundo –, mas ninguém nunca se atreve a perguntar.
Boatos correm de que ele nem mesmo come ou toma banho, está sempre lá, imóvel. Estaria morto?
Mas como não é problema de ninguém, quem se importa?
As crianças nas ruas inventam milhões de apelidos, fazem piadas que só elas entendem, nada faz sentido, eles cansaram de provocar, face do homem na janela nunca muda, ele nunca se move. Senhores e senhoras de certa idade dizem que na sua época não se via coisas assim, que isso é culpa de pais liberais demais.
Apesar disso, mais cedo ou mais tarde, todos sempre voltam a afirmar "isso é coração partido".
Seria mesmo?
Esse homem parado em sua janela olhando a rua há dias não se move, não esboça a mínima reação, frio, calor, tédio solidão, nada.
O que o faz ficar parado assim?
Nos momentos mais calmos da vizinhança era possível ouvir o telefone de sua casa tocando, mas era ignorado por ele, não estava nem ligando pra quem quer que seja que estivesse tentando entrar em contato, ele só ficava lá, observava tudo.
Nunca se viu nem mesmo outra pessoa dentro da casa.
Por mais que passasse o tempo ele continuava lá.
Mesmo aqueles que tinham más intenções e planejavam assaltar a casa, tinham receio. Ele poderia estar armado, pode ser um louco, um lunático esperando alguém se aproximar para ele mostrar todo seu descontentamento com as coisas que seus vizinhos diziam dele, podia ter um acesso de raiva pelas risadas que ouviu.
Aquela luz sempre acesa dentro do quarto com a janela entreaberta que somente tinha espaço para ele olhar o que se passava, não virava o rosto e nem menos se permitia perder em sua concentração.
Depois de um certo tempo as pessoas começaram a sentir-se incomodadas, começaram a reclamar entre si, sentiam-se vigiadas por um estranho que eles nem mesmo sabiam quem era.
As crianças pararam de atazanar a vida daquele sujeito, os pais, por medo, diziam para não ficarem muito em frente à casa. Os idosos temiam sua própria segurança.
Foi quando as fofocas nas ruas aumentam, todos acham que estão sendo discretos, mas não estão.
A polícia nem sequer pode fazer nada, porque o indivíduo está dentro de sua residência e nada fez para ninguém. Quem sabe observa a tudo devido a uma ordem de restrição, seja lá o que for que ele tenha feito está pagando, e isso, de certa forma conforta os moradores. "É mesmo só um vagabundo, tem que pagar". Mas eles nem mesmo sabem quem é.
Não se lembram de quando ele se mudou para lá, nem mesmo de terem dito bom dia para ele. Tudo girava em torno de suposições e intrigas com alguém que nem ao menos se defendia das coisas que diziam justa ou injustamente a seu respeito.
Nada o interessava mesmo? Por que alguém tão frio estava num lugar onde as pessoas costumam falar tanto de seus iguais, e ainda assim não é capaz de ver seus próprios erros...
E sempre, sempre há o velho clichê de que um dia alguém perde de vez a paciência e toca a campainha de sua casa, e mesmo assim ele não sai de seu lugar, continua lá ignorando. Talvez nessa hora esteja derramando uma lágrima por ver que alguém se importa, talvez somente seu corpo ainda esteja vivo. "Bom dia", "oi", grita insistentemente aquela moça curiosa que continua a tocar a campainha. Nisso os vizinhos correm para junto dela com o discurso de que querem ajudar, protegê-la, e o circo já está armado. Pessoas ficam em frente à casa tentando chamar a atenção daquele que há pouco tempo "era só um vagabundo", "um coração partido", mas como toda bola de neve tende a crescer, a mídia local dos pequenos jornais de bairro da região tenta construir uma história, é a grande chance destes pequenos jornalistas chegarem onde querem. Assim o jogo todo mudou, antes aquele que era o observador e agora é o observado o tempo todo. Mas ele nem ao menos se importa.
As pessoas começam a reparar que apenas uma luz na casa está acesa, assim como a TV ligada ao seu lado. Procuram saber o nome do proprietário da casa, tentam saber de tudo, traçar um perfil psicológico, querem tudo sobre ele porque a matéria cresceu. Entre os vizinhos, surgem os "amigos" que nunca o viram assim, voltam as histórias do coração partido.
Quase uma semana parado, há dois dias fotógrafos e repórteres seguem acampados, junto de alguns moradores que não tem o que fazer a não ser esperar e observar. Durante as tardes as pessoas rezam por ele, juntam-se pessoas do bairro inteiro tentando de alguma forma salvar aquele pobre homem que insiste em ficar lá.
Claro, há aqueles que afirmam que ele se levantou para ir ao banheiro. O pior é que eles confirmam que viram, mas não viram de verdade, querem apenas chamar atenção. E enquanto isso o estranho vizinho continua ali na janela. Talvez já esteja morto. Alguém o viu comer? – questiona um padre que chegou lá para rezar pela alma do cidadão.
De mochila preta, calça suja, tênis cheio de barro, chega um casal que observa ao longe atentamente e tenta entender o que se passa. Ao lado deles outro casal conta o que se passou. Todos se juntam na calçada rezando por ele, lágrimas são derramadas, meninas que querem seus minutos de fama dizem que não precisava acabar dessa forma e se acabam em suas próprias lágrimas. A frente da casa está cheia de velas, flores e incenso, já é quase uma atração turística. Mas ninguém entende o por quê.
A cada minuto que se passa naquele domingo mais e mais pessoas juntam-se ao culto, as pessoas dão as mãos e cantam, repórteres fazem a festa colhendo depoimentos e fotos deste acontecimento, é tudo tão sensacional que vai ser a capa da semana!
"Com licença", ouve-se uma voz assustada de um jovem passando entre a multidão, seguindo até a casa sem entender o que está acontecendo.
Ao vê-lo colocar a chave na porta as pessoas a sua volta falam ao mesmo tempo. Ele está assustado não consegue entender tantas frases juntas ao mesmo tempo, tudo está confuso. Quando olha para a janela percebe "esqueci a luz e a TV ligada... putz minha conta... não quero nem ver..."
Assustados os vizinhos não conseguem entender as milhares de sensações que se passam, uns querem bater naquele homem sem nem ao menos ele ter culpa pela curiosidade alheia. O padre, ainda sensato, pergunta sobre a pessoa na janela. "Sou escultor, fiz aquela peça e deixei secando." Diz o homem que acabara de chegar, conta que foi há várias exposições durante a semana e voltou justamente para buscar o "homem da janela". Neste momento as pessoas estão furiosas, repórteres frustrados. Em meio a tudo isso o padre conversa com o artista enquanto as pessoas vão embora com muita raiva por tudo o que passaram.
O padre apenas ouve o homem que tenta entrar em sua casa
"Não tive culpa, achei que voltaria logo, o senhor pode ver, quem largaria tudo ligado assim? Por que eu faria isso? E quem são essas pessoas? Eles não têm o que fazer? Tinham que ficar vigiando tudo assim? É muito estranho isso, não fiz nada errado e todos me culpam pela própria curiosidade, é sarcasmo isso, não? Eles vieram aqui, ficaram aqui, disseram o que quiseram, mas quando a verdade é dita todos somem, é sempre assim padre, o senhor sabe."
O vigário concorda, conta que ele também se deixou levar pela emoção, desculpa-se e vai embora, ninguém mais toca no assunto.
Enquanto a frustração e raiva tomam conta das pessoas, um fotógrafo olha as fotos que tirou, entrevistas que fez. Aquele homem que chegou na casa e entrou, ele também foi entrevistado, ele esteve todos os dias junto a multidão. O fotógrafo percebe que ele esteve o tempo todo ali anonimamente, observando a multidão em frente a sua casa. “Fomos observados desde o início” pensa ele. Por quê?
Ele reúne todos os arquivos, fotos, vídeos, o homem sempre esteve fora da casa, ele foi um dos primeiros que surgiu com a suposição de "coração partido". Então, sob a fúria que sentia, o fotógrafo volta até a casa, a estátua já não está mais na janela. Quando a campainha é atendida pelo mesmo homem que esteve em meio à multidão todos aqueles dias ele conta o que descobriu e quer apenas saber o por que.
Escuta então que tudo isso fazia parte de um estudo, uma tese de graduação sobre o quanto as pessoas se interessam mais em vivenciar a vida alheia do que sua própria vida, que todos, sem exceção nenhuma largaram tudo o que tinham que fazer simplesmente porque algo dentro de sua pequena sociedade era muito mais interessante do que viver suas vidas, que mesmo os mais jovens deixavam de sair para ficar olhando, todos querem comentar sobre a vida dos outros, mas ninguém quer ouvir falar da sua própria vida. Essa era a intenção do artista ao deixar de propósito a estatua na janela e ficar fomentando opiniões e teorias com as pessoas que ali se reuniam.
O fotógrafo se sente completamente inútil e constrangido. Ele sabe que também fez isso...
Será que todos fazemos isso mesmo? O tempo todo?
Ao voltar para casa ele faz as malas, apaga as luzes e resolve ir viajar, mas volta novamente para ver se as luzes estão todas apagadas. Já chega de cuidarem da vida alheia, é hora de cada um viver sua própria vida.
por: Rafael Takamoto & Roberta Grassi
Era um dia nublado, como sempre é. Olhando o movimento das ruas, as pessoas vêm e vão e seus pensamentos se perdem ao longe de desconhecidos a sua frente.
Sem emoções, sentimentos, nada. Talvez as pessoas que o conheçam apenas tenham se afastado, ou ele mesmo se afastou preferindo a solidão de seu lar.
Olha fixamente para a rua, como se soubesse que lá, em algum lugar vai encontrar algo que talvez nem mesmo ele saiba o que é.
Passam horas, dias e noites, as pessoas nem estranham mais a janela sempre aberta, seu olhar perdido. Há quem diga que isso é uma confusa desilusão amorosa, ainda há quem diga que simplesmente não tem o que fazer – é um vagabundo –, mas ninguém nunca se atreve a perguntar.
Boatos correm de que ele nem mesmo come ou toma banho, está sempre lá, imóvel. Estaria morto?
Mas como não é problema de ninguém, quem se importa?
As crianças nas ruas inventam milhões de apelidos, fazem piadas que só elas entendem, nada faz sentido, eles cansaram de provocar, face do homem na janela nunca muda, ele nunca se move. Senhores e senhoras de certa idade dizem que na sua época não se via coisas assim, que isso é culpa de pais liberais demais.
Apesar disso, mais cedo ou mais tarde, todos sempre voltam a afirmar "isso é coração partido".
Seria mesmo?
Esse homem parado em sua janela olhando a rua há dias não se move, não esboça a mínima reação, frio, calor, tédio solidão, nada.
O que o faz ficar parado assim?
Nos momentos mais calmos da vizinhança era possível ouvir o telefone de sua casa tocando, mas era ignorado por ele, não estava nem ligando pra quem quer que seja que estivesse tentando entrar em contato, ele só ficava lá, observava tudo.
Nunca se viu nem mesmo outra pessoa dentro da casa.
Por mais que passasse o tempo ele continuava lá.
Mesmo aqueles que tinham más intenções e planejavam assaltar a casa, tinham receio. Ele poderia estar armado, pode ser um louco, um lunático esperando alguém se aproximar para ele mostrar todo seu descontentamento com as coisas que seus vizinhos diziam dele, podia ter um acesso de raiva pelas risadas que ouviu.
Aquela luz sempre acesa dentro do quarto com a janela entreaberta que somente tinha espaço para ele olhar o que se passava, não virava o rosto e nem menos se permitia perder em sua concentração.
Depois de um certo tempo as pessoas começaram a sentir-se incomodadas, começaram a reclamar entre si, sentiam-se vigiadas por um estranho que eles nem mesmo sabiam quem era.
As crianças pararam de atazanar a vida daquele sujeito, os pais, por medo, diziam para não ficarem muito em frente à casa. Os idosos temiam sua própria segurança.
Foi quando as fofocas nas ruas aumentam, todos acham que estão sendo discretos, mas não estão.
A polícia nem sequer pode fazer nada, porque o indivíduo está dentro de sua residência e nada fez para ninguém. Quem sabe observa a tudo devido a uma ordem de restrição, seja lá o que for que ele tenha feito está pagando, e isso, de certa forma conforta os moradores. "É mesmo só um vagabundo, tem que pagar". Mas eles nem mesmo sabem quem é.
Não se lembram de quando ele se mudou para lá, nem mesmo de terem dito bom dia para ele. Tudo girava em torno de suposições e intrigas com alguém que nem ao menos se defendia das coisas que diziam justa ou injustamente a seu respeito.
Nada o interessava mesmo? Por que alguém tão frio estava num lugar onde as pessoas costumam falar tanto de seus iguais, e ainda assim não é capaz de ver seus próprios erros...
E sempre, sempre há o velho clichê de que um dia alguém perde de vez a paciência e toca a campainha de sua casa, e mesmo assim ele não sai de seu lugar, continua lá ignorando. Talvez nessa hora esteja derramando uma lágrima por ver que alguém se importa, talvez somente seu corpo ainda esteja vivo. "Bom dia", "oi", grita insistentemente aquela moça curiosa que continua a tocar a campainha. Nisso os vizinhos correm para junto dela com o discurso de que querem ajudar, protegê-la, e o circo já está armado. Pessoas ficam em frente à casa tentando chamar a atenção daquele que há pouco tempo "era só um vagabundo", "um coração partido", mas como toda bola de neve tende a crescer, a mídia local dos pequenos jornais de bairro da região tenta construir uma história, é a grande chance destes pequenos jornalistas chegarem onde querem. Assim o jogo todo mudou, antes aquele que era o observador e agora é o observado o tempo todo. Mas ele nem ao menos se importa.
As pessoas começam a reparar que apenas uma luz na casa está acesa, assim como a TV ligada ao seu lado. Procuram saber o nome do proprietário da casa, tentam saber de tudo, traçar um perfil psicológico, querem tudo sobre ele porque a matéria cresceu. Entre os vizinhos, surgem os "amigos" que nunca o viram assim, voltam as histórias do coração partido.
Quase uma semana parado, há dois dias fotógrafos e repórteres seguem acampados, junto de alguns moradores que não tem o que fazer a não ser esperar e observar. Durante as tardes as pessoas rezam por ele, juntam-se pessoas do bairro inteiro tentando de alguma forma salvar aquele pobre homem que insiste em ficar lá.
Claro, há aqueles que afirmam que ele se levantou para ir ao banheiro. O pior é que eles confirmam que viram, mas não viram de verdade, querem apenas chamar atenção. E enquanto isso o estranho vizinho continua ali na janela. Talvez já esteja morto. Alguém o viu comer? – questiona um padre que chegou lá para rezar pela alma do cidadão.
De mochila preta, calça suja, tênis cheio de barro, chega um casal que observa ao longe atentamente e tenta entender o que se passa. Ao lado deles outro casal conta o que se passou. Todos se juntam na calçada rezando por ele, lágrimas são derramadas, meninas que querem seus minutos de fama dizem que não precisava acabar dessa forma e se acabam em suas próprias lágrimas. A frente da casa está cheia de velas, flores e incenso, já é quase uma atração turística. Mas ninguém entende o por quê.
A cada minuto que se passa naquele domingo mais e mais pessoas juntam-se ao culto, as pessoas dão as mãos e cantam, repórteres fazem a festa colhendo depoimentos e fotos deste acontecimento, é tudo tão sensacional que vai ser a capa da semana!
"Com licença", ouve-se uma voz assustada de um jovem passando entre a multidão, seguindo até a casa sem entender o que está acontecendo.
Ao vê-lo colocar a chave na porta as pessoas a sua volta falam ao mesmo tempo. Ele está assustado não consegue entender tantas frases juntas ao mesmo tempo, tudo está confuso. Quando olha para a janela percebe "esqueci a luz e a TV ligada... putz minha conta... não quero nem ver..."
Assustados os vizinhos não conseguem entender as milhares de sensações que se passam, uns querem bater naquele homem sem nem ao menos ele ter culpa pela curiosidade alheia. O padre, ainda sensato, pergunta sobre a pessoa na janela. "Sou escultor, fiz aquela peça e deixei secando." Diz o homem que acabara de chegar, conta que foi há várias exposições durante a semana e voltou justamente para buscar o "homem da janela". Neste momento as pessoas estão furiosas, repórteres frustrados. Em meio a tudo isso o padre conversa com o artista enquanto as pessoas vão embora com muita raiva por tudo o que passaram.
O padre apenas ouve o homem que tenta entrar em sua casa
"Não tive culpa, achei que voltaria logo, o senhor pode ver, quem largaria tudo ligado assim? Por que eu faria isso? E quem são essas pessoas? Eles não têm o que fazer? Tinham que ficar vigiando tudo assim? É muito estranho isso, não fiz nada errado e todos me culpam pela própria curiosidade, é sarcasmo isso, não? Eles vieram aqui, ficaram aqui, disseram o que quiseram, mas quando a verdade é dita todos somem, é sempre assim padre, o senhor sabe."
O vigário concorda, conta que ele também se deixou levar pela emoção, desculpa-se e vai embora, ninguém mais toca no assunto.
Enquanto a frustração e raiva tomam conta das pessoas, um fotógrafo olha as fotos que tirou, entrevistas que fez. Aquele homem que chegou na casa e entrou, ele também foi entrevistado, ele esteve todos os dias junto a multidão. O fotógrafo percebe que ele esteve o tempo todo ali anonimamente, observando a multidão em frente a sua casa. “Fomos observados desde o início” pensa ele. Por quê?
Ele reúne todos os arquivos, fotos, vídeos, o homem sempre esteve fora da casa, ele foi um dos primeiros que surgiu com a suposição de "coração partido". Então, sob a fúria que sentia, o fotógrafo volta até a casa, a estátua já não está mais na janela. Quando a campainha é atendida pelo mesmo homem que esteve em meio à multidão todos aqueles dias ele conta o que descobriu e quer apenas saber o por que.
Escuta então que tudo isso fazia parte de um estudo, uma tese de graduação sobre o quanto as pessoas se interessam mais em vivenciar a vida alheia do que sua própria vida, que todos, sem exceção nenhuma largaram tudo o que tinham que fazer simplesmente porque algo dentro de sua pequena sociedade era muito mais interessante do que viver suas vidas, que mesmo os mais jovens deixavam de sair para ficar olhando, todos querem comentar sobre a vida dos outros, mas ninguém quer ouvir falar da sua própria vida. Essa era a intenção do artista ao deixar de propósito a estatua na janela e ficar fomentando opiniões e teorias com as pessoas que ali se reuniam.
O fotógrafo se sente completamente inútil e constrangido. Ele sabe que também fez isso...
Será que todos fazemos isso mesmo? O tempo todo?
Ao voltar para casa ele faz as malas, apaga as luzes e resolve ir viajar, mas volta novamente para ver se as luzes estão todas apagadas. Já chega de cuidarem da vida alheia, é hora de cada um viver sua própria vida.
por: Rafael Takamoto & Roberta Grassi
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Lula lá... no cinema
Não entendo como alguém pode dizer que você deve deixar suas convicções políticas de lado quando for assistir “Lula, o filho do Brasil”, o cara ainda está exercendo o mandato e mesmo que não possa se reeleger (pelo menos não até agora) ainda assim soa como propaganda. Aliás, eu achava que filmes biográficos só deveriam ser produzidos quando o “homenageado” estivesse morto ou quase isso, mas parece que me enganei.
Eu não assisti “Lula, o filho do Brasil” e honestamente duvido que um dia vou assistir, então vou me abster de falar do filme em si. Mas o que me incomoda nessa história é que a mistura entre o Lula e a sétima arte parece tão insípida quanto uma sopa aguada e fumegante servida ao meio dia numa praia quando faz 33 graus, soa como algo que vai tão contra as leis da natureza quanto encontrar tijolos nascendo em árvores ou simpatia real e sincera em época de campanha eleitoral.
Pare por um minuto e tente fazer a associação entre o Lula e o cinema. Melhor, nem gaste um minuto inteiro porque a coisa simplesmente não funciona.
Imagine o Lula no Titanic – no filme, não no navio. O transatlântico vai e tromba num iceberg, enquanto isso no que deveria ser o jantar de gala está tendo um churrasco (no navio). O povo sente o choque e começa a histeria. Nisso Luiz Inácio da Silva, um líder nato, sobe em uma das mesas e entusiasmadamente discursa:
– Que é isso minha gente? Isso não foi nada, é só uma marolinha que não vai dar nem pra esquiar.
Observação: algum ser humano (ou não) já esquiou em uma marola? Creio que o Sr. Presidente confundiu marola com neve ou esquiar com surfar.
– Vocês vão abandonar um jantar tão bonito destes por uma besteira de um iceberg? – continua Luiz Inácio. – Passei duas horas fazendo escova no cabelo da Marisa para acabar tudo deste jeito?
Outra observação: Sim. Eu li em algum lugar que o Lula faz escova no cabelo da Marisa, não lembro onde e vou cometer a irresponsabilidade de não buscar nada em canto nenhum para corroborar esta informação. Mas se isso for verdade temos de admitir que Dona Marisa é uma mulher de muita coragem para entregar os cabelos aos cuidados de Luiz Inácio. E se entregar os cabelos aos cuidados do Lula parece uma insensatez, imagine entregar um país inteiro nas mãos deste homem.
Certo. Agora imagine outra situação. Imagine que o Lula sofre de uma rara modificação genética que o faz viajar pelo tempo involuntariamente. Então avacalhemos um pouco o enredo de The Time Traveler's Wife (que em português ganhou o nomezinho insosso de Te Amarei Para Sempre) e vamos dizer que Lula viajou para o passado, fez besteira e quando voltou para o presente milagrosamente descobriram a besteira que ele cometeu.
– Senhor Presidente, é verdade que o senhor provocou um incêndio na Biblioteca de Alexandria? – perguntou um repórter (porque brisa pouca é bobagem).
– Não foi que eu causei o incêndio – Lula se esquivou da culpa. – O que aconteceu é que eu nem sabia que estava em Alexandria, pensei que estava no churrasco no puxadinho do Alexandre, foi isso que entendi. Porque, como eu não tenho problema nenhum em admitir, eu não sei ler em alexandrez. Em certo momento da solenindade a companheira Dilma, que não me pergunte como ou por que e o que estava fazendo na minha viagem no tempo, se deparou com o meio ambiente e se sentindo ameaçada saiu correndo desabalada, se estabacou na churrasqueira e o fogo se espalhou. Mas posso garantir que foi tudo um acidente e que a repercussão disso, que podia ser um Tsunami, vai chegar aqui como uma marolinha que não vai dar nem pra esquiar.
E eu poderia buscar mais exemplos, mas vamos combinar que até bobagem tem limites e acho que já provei meu ponto. Além disso, hoje eu vou poder dormir pesado e sossegadamente as minhas 12 horas de sono sabendo que eu exerci o meu direito e dever cívico de descer o sarrafo em qualquer um que estiver no poder e rir um pouco à custa deles, afinal pagamos e muito bem o salário de toda essa gente.
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