Ele buscava o topo da montanha a qualquer custo. Nada o impedia de sonhar cada vez mais alto. Nada o fazia perder a crença de um dia alcançar o estrelato que tanto sonhou. Nem mesmo o fato de ter perdido tudo, até mesmo seu emprego o fez desistir. Ele quer isso, não para provar alguma coisa para aqueles que não acreditaram, mas para ele mesmo que sempre acreditou. Para o seu ego, apenas.
Acordava cedo todos os dias como se ainda estivesse empregado, caminhava pelas ruas com sua câmera, a procura daquilo que um dia poderia lançá-lo longe.
Até que numa fria manhã de terça feira, resolveu comer alguma coisa só para enganar o estomago mais um pouco. Mas eis que ao entrar naquele bar tudo estava prestes a mudar. Chegou até o balcão e antes mesmo que pudesse pedir alguma coisa, ouviu a arma engatilhando atrás de sua cabeça.
Rezou muito, pediu para que ao menos pudesse sair vivo daquela situação. Mas antes que o meliante fosse embora, se deu conta que aquilo era só o começo do rumo ao estrelato que tanto buscou. Abriu os olhos e naquele instante viu que tudo tinha acabado. Mas não para ele.
Aquela sequência de acontecimentos momentâneos o incomodou por muito tempo. Mas não ao ponto de fazê-lo desistir de encontrar aquele que o fez encontrar o que precisava para chegar de novo ao topo que nunca pôde ver de perto.
O tempo parecia correr contra ele, mas não desistiu. Acreditou que cegamente que agora sabia o porquê de ser repórter. Buscou informações em todos os lugares e por todos os meios, exatamente como aprendeu nos tempos de faculdade e de quando estava ainda no jornal. E após muito tempo perguntando em todos os becos, para todos aqueles que pareciam "perigosos", finalmente uma pista que poderia seguir. Os dias passaram e ele acompanhou ao longe o bandido que colocou a arma em sua cabeça, ia memorizando todos os passos rotineiros do homem. Pensava em como poderia abordar um sujeito que poderia tê-lo matado. Não tinha idéia se estava daquele jeito por medo ou ansiedade. Começou a se questionar se a fama valia tanto assim.
Todos os dias ele respirava fundo e acompanhava aquele homem, claro que ele já deveria estar desconfiado de estar sendo seguido e que isso poderia acabar mal, tinha que pensar nas possibilidades, pensou que seu suor já exalava medo. Mas não ia recuar, parou como sempre ao lado do poste, olhando para frente, esperando o momento que o meliante sairia daquela porta e formulava várias perguntas novas, mesmo que já tivesse muitas anotadas. Mas algo estava errado, já passava do horário e nada da porta se abrir, aquela rua movimentada como sempre parecia bem vazia, as pessoas todas pareciam encarar esse repórter desempregado.
"-Ei, por que você fica aí o dia todo olhando ali? Você é policial?" perguntou o bandido surgindo ao seu lado. Andou até ficar de frente. Encararam-se ambos estavam maltrapilhos, estavam frente a frente. E aquele rosto que nunca chegou a ver tão perto, o fez lembrar-se do som daquilo que o vez ver tudo além do que queria. Não era o medo que realmente sentiu aquele momento, não era nada além da vontade de fazer uma proposta da qual poderia um dia se arrepender, mas que o alçaria da forma que sonhou.
"-Não, não sou policial, sou só um repórter, mas preciso muito falar com você." Aquela frase ecoou dentro de sua mente, seu coração parecia acelerar.
E o meliante aceitou conversar. Aquele homem sombrio, que parecia não ter expressões, nem demonstrava qualquer emoção. Mas agora era tarde para recuar. Fez a proposta, falou de sua grande idéia. "Um sequestro?" - perguntou o meliante. "Sim, deixe-me explicar". Naquela hora, todas suas anotações escritas e mentais pareciam ter desaparecido, que proposta era aquela que ele fazia a um malfeitor?
"-A minha idéia é simularmos um sequestro meu, onde vou relatar tudo o que passei, depois escreveria sobre o sequestrador, ambos seremos astros, ambos teremos fama e fortuna, não importando como conseguimos". Era tudo muito bem planejado, principalmente por ser um improviso de tudo que ele deixou para trás ao contar isso.
Contou tudo, explicou os detalhes de seu plano, não teria como dar errado. Mas dependia do bandido aceitar, a grana era alta, claro, porque mesmo desempregado, ele era um repórter conhecido na mídia, foram muitos anos dentro do mesmo jornal, as pessoas sabiam quem ele era, iriam querer ajudá-lo num momento de dificuldade como esse. E como as coisas poderiam dar errado? Mas nem tudo pode dar tão certo.
O bandido e o repórter seguiram para dentro do apartamento onde o bandido morava, conversaram sobre o plano, era realmente muito bom para ser algo apenas improvisado. Pediu ao homem um copo d'água, viu a arma sobre a mesa, aquele ser que um dia colocou a arma em sua cabeça estava de costas, assim como ele estava quando se viram pela primeira vez. Não pensou duas vezes, foi tomado novamente pelo medo, mas agora era ele quem estava em vantagem. Engatilhou a arma, pegou uma almofada do chão e encostou no bandido. Aquele homem que nunca parecia expressar nada, fechou o rosto, dava medo até mesmo de pensar qualquer coisa, eis que a arma é disparada, e, naquele apartamento sujo e escuro, isolado, quem poderia saber que eles estavam lá, ou quem saberia ao menos quem eram eles. Um disparo abafado por uma almofada. Foi só o que se ouviu e o que nunca ecoou. Tudo parecia mais escuro, muito mais.
Ele limpa as digitais da arma, sai andando tenta não demonstrar qualquer emoção ou sentimento. Seus sonhos estavam enterrados de vez. Aquele homem que um dia sonhou em ser o maior repórter que já se ouviu falar acabou de matar. Sorria escondido, estava satisfeito. Não queria mais os sonhos do passado, queria apenas ter a satisfação de tirar a vida daquele que poderia te-lo matado. Mas e agora esta era sua nova realidade? Esta seria sua nova vida?
A sensação do medo, a frieza, não sabia explicar o que sentia, o que se passou naquele instante em que puxou o gatilho, não sabia expressar ao certo o que houve, mas estava satisfeito, como se tivesse virado uma pagina mal escrita. E agora manchada de sangue, uma marca que jamais poderá tirar de sua vida, que jamais irá revelar, não sabia por que fez isso, não sabia explicar nem a si mesmo por que mudou de idéia, da entrevista, ao sequestro, à morte. Agora vai para casa escrever uma crônica sobre seus momentos de pavor ao quase morrer, mas guardando em seu intimo a sensação de ter estado do lado oposto da situação, afinal, agora ele pode ter um emprego de novo, será a melhor história que já escreveu e que nunca a contará por completo.