sexta-feira, 11 de maio de 2012

A RESSACA DE SEGUNDA



AVISO:
Este conto já foi postado antes no blog do Social Rock Club.
Se você o leu lá, ignore-o aqui.

AVISO 2:
É, eu sei que hoje é ainda é sexta, então digamos que eu apenas antecipei a ressaca de segunda.

Sem mais avisos, apreciem a ressaca


 Há quanto tempo ele estava ali? Horas? Dias? Eras? Uma existência inteira? Talvez um pouco menos que isso. Suas mãos estavam incrustadas nos braços daquela poltrona, e havia a suspeita de que suas costas jamais se descolariam do estofado do encosto. Ele não era mais um homem, era simplesmente parte daquela sala.

Vez ou outra vinha um espasmo, como se mãos invisíveis espremessem seu cérebro para lembrá-lo dos abusos cometidos. Entre um espasmo e outro ele concentrava toda a sua atenção em uma mancha escura que se destacava no chão claro.

Vão-se as pessoas, ficam as manchas de cerveja, contrastando com a cor do piso, grudando na madeira dos móveis.

Você enche sua casa de gente quando na verdade tudo o que você queria é que apenas uma pessoa estivesse ali, uma única pessoa que não está entre aqueles que você convocou para preencher o vazio. O som alto é uma tentativa de abafar todas as palavras não ditas. Álcool serve para aplacar a dor que você só sente na sua cabeça. E funciona por um tempo, como se certos momentos tivessem uma lógica própria e exclusiva, enquanto você os vive tudo faz sentido, mas depois... É como se as informações estivessem desconexas, e as explicações e justificativas que você se dá parecem não ter serventia nenhuma. A sensação é a de que aquilo que você viveu não é parte da sua vida, só algo que aconteceu com um estranho e alguém te contou.

Então sobra a ressaca, a baderna que foi deixada pra trás, o cheiro de vômito vindo da pia da cozinha e aquela mancha no chão.

Ele compreendia agora, ele existia junto com aquela mancha. Quando limpassem aquela mancha do chão sua existência seria apagada junto com a sujeira.

Um barulho chamou sua atenção, ele desviou os olhos do chão e se deparou com um homem parado no meio da sala e olhando em volta com uma expressão de desgosto. Demorou alguns segundos para ele reconhecer no homem ostentando a cara feia uma versão de si mesmo, uma versão limpa e sóbria, que provavelmente tinha recorrido a algum analgésico e a algum outro remédio para arrumar o estrago que a bebedeira tinha feito no estômago, uma versão que não gostava do que via, que tinha se forçado a se levantar e seguir andando, alguém capaz de deixar aquela sala.

Sua versão sóbria se aproximou da poltrona onde agora ele habitava, olhou para a mancha no chão e resmungou em desaprovação. Ele sabia o que aquilo significava: no final do dia sua versão sóbria voltaria para casa e limparia aquela mancha, o que por sua vez significava que ele tinha menos de um dia para continuar existindo.

Ele observou sua outra versão ir até a mesa, pegar o relógio e prende-lo no pulso. Sua versão sóbria se importava com o tempo, coisa que para ele já não fazia mais diferença alguma. Em seguida sua versão limpa e funcional levou seu relógio de pulso até a porta da frente, olhou uma última vez com desgosto para o caos que era aquela sala de estar e saiu.

O som da porta batendo reverberou dentro de sua cabeça. Quando a reverberação se dissipou e a tortura teve fim, ele fez a única coisa que o estado em que se encontrava lhe permitia fazer: voltou a encarar aquela mancha no chão, aquela mancha que também era sua existência.


Um comentário:

  1. eu tava o lendo o texto e achei q já tinha lido...
    aí q lembrei dos teus "avisos"... e vi q sim, eu já tinha lido e não era um deja vu... rs
    mas o texto é foda p/ caralho, porra!!!!!!

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